sexta-feira, 17 de maio de 2013

beca à beça

Chancellor da University of Oxford, em cerimônia acadêmica

Com a chegada da minha formatura, me vi envolvido com todo o protocolo de uma colação de grau, das vestes ao juramento, e comecei a pensar algumas coisas a respeito. A primeira constatação foi certo incômodo de que hoje vivemos, em grande escala, a comercialização de tal ritual, mais do que uma verdadeira experiência do seu significado. Nada surpreendente em tempos de educação como mercadoria...

Não quero fazer uma crítica ao capitalismo e a pan-mercadorização que ele executa, no entanto, acredito ser necessário manter alguma lucidez e entender a dimensão de determinados processos sem ceder à naturalidade de uma ressignificação – ou seria assignificação? – no contexto atual. Por outro lado, embora a universidade seja uma instituição milenar com algumas tradições que, em maior ou menor grau, perduram até hoje, não penso que em respeito à história devamos seguir os mesmos protocolos de 500, 900 anos atrás. Ao contrário, penso que devemos manter algum respeito pela tradição, sem, entretanto, beirar o esdrúxulo da repetição desatualizada, descontextualizada ou despropositada. Assim, inevitavelmente me vi também pesquisando sobre o significado dos símbolos acadêmicos de formatura, especialmente das vestimentas, o modo como se originaram, mantiveram durante séculos e se expressam atualmente.

Pelas bandas da lusofonia, não é fácil encontrar bibliografia a respeito desse assunto. Além disso, as poucas fontes ainda pecam pela imprecisão, profusão e confusão de termos. Em inglês, ao contrário, há muitas referências sobre o assunto e até mesmo uma espécie de bíblia: A History of Academical Dress in Europe until the end of the Eighteenth Century¹, de W. N. Hargreaves-Mawdsley. Datada de 1963, é hoje uma obra rara. Mais difícil que encontrá-la, só saber o prenome do autor. O que é importante destacar é que no Reino Unido dedica-se mais importância senão às próprias vestes, ao menos à sua história, de maneira que há até uma sociedade especializada no que eles chamam de academic dress, ou seja, a indumentária característica das sonelidades acadêmicas. Trata-se da Burgon Society². Ah, os britânicos...

O fato é que a indumentária acadêmica não à toa deriva dos trajes eclesiásticos e é tão velha quanto a Universidade, na medida em que as primeiras delas possuíam uma tradição escolástica. Como afirma Noel Cox, a história da indumentária acadêmica é a história da educação na Europa, a qual esteve intimamente ligada com a Igreja³. Becas e batinas, portanto, são primas bastante próximas, senão irmãs. Chamadas vestes talares (do latim talus - tornozelo), cobriam o corpo dos ombros aos pés, e suas explicações de uso são varias: alguns pesquisadores apontam a denotação de humildade e sobriedade do traje negro, outros acreditam que era uma maneira de nivelar pobres e ricos, e outros ainda são mais pragmáticos,  ou seja, eram as vestimentas mais adequadas para o clima frio da Europa.

Compondo os trajes acadêmicos, vinham os adornos: chapéus, faixas, capas e aneis, os quais possuíam função distintiva, tanto hierarquicamente como em relação à área de conhecimento.  Assim, a veste de um bacharel, via de regra, não seria o mesmo de um doutor. Obviamente, entre países distintos mudavam algumas peças, recortes, detalhes e cores, e mesmo de universidade para universidade havia variações.

Num primeiro momento a beca era uma espécie de uniforme cotidiano, tendo sofrido adaptações locais e temporais. A partir de finais do século XV, no entanto, seu uso já não era tão difuso, estando restrito às tradições anglo-saxônicas e ibéricas, embora por razões distintas em cada um dos casos, e com isso a tradição chega nas colônias inglesas, espanholas e portuguesas na América, onde também resistiram ao tempo.

Mas não por tanto tempo, no fim das contas. Se antes a universidade era para uma pequena elite, hoje ela se abre para as camadas populares, e mesmo não podendo falar de universalização ou massificação efetivos no Brasil, tampouco pode-se dizer que permanece um privilégio restrito à classe dominante. De certo modo, essa condição oferece um impacto simbólico nas antigas tradições universitárias. Também a dinâmica das sociedades são outras, ritos e rituais se perderam ou se reinventaram, e assim algumas práticas passam a não fazer tanto sentido quanto outrora.

Percorrido esse caminho histórico, certa desconfiança faz-se certeza: o século XXI não vende apenas a educação, que embora imaterial guarde certa tangencialidade, mas até a simbologia dos marcos acadêmicos. Por falar nisso, vou ali estou saindo para alugar minha beca...

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¹ William N. Hargreaves-Mawdsley. A History of Academical Dress in Europe until the end of the Eighteenth Century. Oxford: Clarendon Press, 1963.
² Página da Burgon Society: http://www.burgon.org.uk/
³ Noel Cox. Academical Dress in New Zealand. In: Burgon Society Annual, 2001. Disponível em: http://www.burgon.org.uk/society/library/trans/annual2001.pdf

quinta-feira, 9 de maio de 2013

habemus UFSBA¹


Após ter passado pela Câmara, foi aprovado ontem no Senado, o Projeto de Lei nº 2207/11, que dispõe sobre a criação da Universidade Federal do Sul da Bahia, a UFSBA, e agora aguarda apenas a sanção presidencial. 

Tendo sido projetada ao longo dos dois últimos anos, sob a tutela da Universidade Federal da Bahia, a recente instituição federal de ensino superior já representa uma transformação desse nível de ensino no país, ao propor uma estrutura acadêmica diferenciada e plano pedagógico inovador, possibilitando uma nova relação com o saber e verdadeiro compromisso ecossocial.

Muito há para ser falado sobra a UFSBA, das suas arquiteturas curriculares arrojadas ao impacto econômico para a região de instalação. Por ora, deixo que os princípios do seu Plano Orientador² falem por ela:

  1. excelência acadêmica – compromisso com a qualidade, originalidade, criatividade e relevância na produção de saberes e práticas referentes ao estado da arte da rede universitária contemporânea;
  2. eficiência – no sentido de uso otimizado de recursos públicos, como potencial de mais vagas em relação a docentes, instalações e equipamentos disponíveis;
  3. sustentabilidade – compromisso de proteção da biodiversidade e promoção de consciência ecossocial, com mobilização social e cidadania ativa, incorporado ao próprio processo de formação;
  4. impacto social – ampliação do acesso à educação superior, com inclusão social, destacando políticas de promoção de permanência e fomento ao êxito na formação;
  5. ressonância regional – maior cobertura geopolítica e rapidez de resposta na formação de graduados e pós-graduados, visando provocar efetivo impacto nos processos de desenvolvimento econômico, social e humano da Região;
  6. pluralidade pedagógica e flexibilidade – no duplo sentido da diversidade metodológica e de áreas de formação, implicando oferta de cursos necessários ao desenvolvimento da Região (engenharias, tecnologias industriais, saúde);
  7. interface sistêmica com a Educação Básica – ao fomentar formação interdisciplinar e flexível de docentes para os níveis médio, fundamental e infantil de ensino.
  8. articulação interinstitucional – na medida em que várias instituições públicas ofertam cursos superiores na Região, todo o planejamento institucional e acadêmico será realizado em estreita articulação e ampla consulta com as instituições, evitando assim duplicação, redundância ou desperdício de recursos públicos.
Resta aguardar o aval da presidenta e acompanhar os trabalhos de instalação. Com a constante reflexão conceitual das suas missões e metas, é tempo de operacionalizar as ideias, para ver em funcionamento a nova universidade, cuja previsão é de receber os primeiros estudantes já em setembro de 2014.

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¹ Título emprestado da notícia que foi vinculada no Portal UFBA: https://www.ufba.br/noticias/habemus-ufsba-bahia-conquista-terceira-universidade-federal
² Naomar de Almeida-Filho et al. Plano orientador institucional e político-pedagógico da Universidade Federal do Sul da Bahia: minuta 6.0. Salvador: EDUFBA, 2012. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/117283898/PLANO-ORIENTADOR-DA-UNIVERSIDADE-FEDERAL-DO-SUL-DA-BAHIA